A desinformação veiculada a partir de informações falsas vem existindo, como um recurso estratégico nas disputas entre indivíduos e grupos, ao longo de toda a história humana. Seja passada à frente inadvertidamente (desinformação não intencional) ou propositalmente – como forma de reescrever fatos, obter lucro, manipular pessoas, ou reinterpretar a história, tem sido um fenômeno desafiador pela complexidade de fatores que se associam à sua materialidade. Abordar a informação, um objeto interdisciplinar por excelência, exige uma abordagem transdisciplinar. A linha de investigação “Ecologia da Desinformação”, aqui descrita, faz parte de um projeto maior intitulado “Dinâmicas da desinformação” que buscou articular diferentes ações que vinham sendo realizadas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) e na Escola de Ciência da Informação (ECI) da Universidade Federal de Minas Gerais e que vieram a compor o Programa UFMG de Formação Cidadã em Defesa da Democracia. A iniciativa da Universidade responde a chamado do Supremo Tribunal Federal (STF), que reúne parceiros de todas as regiões do país para contribuir com seu Programa de Combate à Desinformação. A linha de pesquisa “Ecologia da Desinformação” se materializa no projeto “Construindo as bases para a neutralização da desinformação através da inoculação preventiva de mensagens”, foi pensado para ser desenvolvido em três fases e encontra-se, atualmente, na segunda.
A etapa inicial, voltada para a construção das bases conceituais que guiariam as etapas posteriores, considera: (1) a informação como um fenômeno bio-psico-histórico-social (PAULA, 2021) e busca estabelecer uma leitura multicausal do fenômeno; (2) que a desinformação poderia ser melhor compreendida através de uma perspectiva aristotélica que buscasse identificar as suas causas materiais (sua base concreta), formais (a forma como se estrutura), eficientes (agência que a produz) e finais (seus motivos últimos)(HOGAN, 2015); (3) que a “informação não é um elemento observável puro, mas um construto teórico” (CAPURRO e HJORLAND, 2017, p. 164); (4) que há uma origem material para ela, a protoinformação (DODIG-CRNKOVIC, 2014), que permite que a informação seja elaborada através de um complexo ato cognitivo (PAULA, 2021); (4) que os sujeitos informacionais não são agentes passivos, mas interagentes constantemente envolvidos num processo de intercâmbio multicausal que se sustenta na noção de que a informação se origina da apreensão cognitiva (um construto mental produzido pela reunião de representações e percepções) que eles fazem de protoinformações; e (5) que esses sujeitos podem ser entendidos como agentes replicadores de ideias passíveis de se reproduzirem e se modificam através de seleção, associação e acumulação de pequenas variações nas mensagens orientadas por um modelo evolutivo darwiniano quando das interações com novos “hospedeiros”. A partir dessa visão, postula-se que, no aspecto comunicacional, essas variações intercambiam, não somente informações, mas também alterações nas significações que disputam espaço nas mentalidades dos sujeitos.
A segunda etapa (atual) investiga postagens de dois grupos politicamente divergentes no Twitter no período entre a reeleição e o impeachment de Dilma Rouseff (CÂNDIDO; PAULA; DIAS, 2022), a evolução e a alteração nas descrições textuais dela nesse intervalo. Buscam-se as representações originais e o histórico de alterações (linhagens e sublinhagens) que criaram as descrições finais no dia do impeachment para desenvolver metodologias que descrevam o processo evolutivo em redes sociais de forma confiável para, compreendendo como algumas variações desses conteúdos viralizaram, utilizá-las no combate à desinformação. Desenvolvem-se e avaliam-se medidas de dissimilaridade dessas modificações e estratégias de reconstrução das linhagens para, na etapa seguinte, abordar os conteúdos desinformativos como parasitas informacionais da mente (BOUDRY; HOFHUIS, 2017) que, através de um mecanismo “chave-fechadura” de infecção análogo ao viral, penetram as mentalidades dos hospedeiros.
Na terceira etapa (a próxima), espera-se sugerir estratégias de comunicação que levem em consideração as formas pelas quais os conteúdos podem ser distorcidos e incluam mensagens de inoculação preventiva (COOCK; ECKER, 2017). Para que isso seja possível, buscar-se-á, a partir da Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais, uma forma de compreender como complexos de informações possuidores de inter-relações históricas (linhagens e sublinhagens) dispostas em sequências ancestral-descendente familiares aos hospedeiros encontram, devido a similaridade dos tópicos que o compõe os conteúdos desinformativos com as informações factuais já presentes no ambiente cognitivo desses hospedeiros, maior facilidade de serem assimiladas. Se confirmada, essa perspectiva poderia auxiliar na concepção de estratégias de bloqueio (análogas a firewalls ou vacinas) a essas ideias. Propõe-se que essas estratégias sejam testadas em projetos de extensão universitária voltados para divulgação científica em escolas, centros comunitários e igrejas.
Referências
BOUDRY, M.; HOFHUIS, S. Parasites of the mind. Why cultural theorists need the meme’s eye view. Cognitive Systems Research, 52, 155-167, 2018. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1389041718300494 . Acesso em: 21 abr. 2023.
CÂNDIDO, D. da S. G.; PAULA, C. P. A. de; DIAS, T. M. R. Contribuições metodológicas para a incorporação da perspectiva memética ao repertório da Ciência da Informação. Liinc em Revista, [S. l.], v. 18, n. 2, p. e6059, 2022. DOI: 10.18617/liinc.v18i2.6059. Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/6059 . Acesso em: 21 abr. 2023.
CAPURRO, Rafael; HJORLAND, Birger. O conceito de informação. Perspectivas em ciência da informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pci/a/j7936SHkZJkpHGH5ZNYQXnC/?format=pdf&lang=pt . Acesso em: 21 abr. 2023.
Cook J, Lewandowsky S, Ecker UKH Neutralizing misinformation through inoculation: Exposing misleading argumentation techniques reduces their influence. PLoS ONE 12(5): e0175799, 2017. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0175799 . Acesso em: 21 abr. 2023.
DODIG-CRNKOVIC, Gordana. Info-computational constructivism and cognition. Constructivist Foundations, v. 9, n. 2, p. 223-231, 2014. Disponível em:https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.696.9252&rep=rep1&type=pdf . Acesso em: 21 abr. 2023.
HOGAN, J.A.. A framework for the study of behavior. Behav. Proc., 117, pp. 105-113, 2015. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0376635714001235?via%3Dihub . Acesso em: 21 abr. 2023.
PAULA, Cláudio Paixão Anastácio de. Uma epistemologia genética dos ecossistemas de desinformação? Problema interdisciplinar / resposta transdisciplinar. Palabra Clave (La Plata), 10(2), e122, 2021. DOI10.24215/18539912e122. Disponível em: https://www.palabraclave.fahce.unlp.edu.ar/article/view/PCe122 . Acesso em: 21 abr. 2023.